Monday, October 8, 2007

Os 5 Sem Sentidos

O surdo
Era meio viciado em música. E quando digo “meio” é porque na outra metade estava seu radicalismo. O q é até interessante imaginar uma pessoa radical ter dois lados iguais, mas enfim, era um sujeito radical viciado em música.
Ouvia todos os primeiros álbuns das bandas, mas com sua facilidade de generalização dizia que todo segundo álbum não prestava. Adorava bater boca sobre assuntos que entendia, no entanto, apesar de bater boca sobre todos os assuntos, nunca escutava a opinião alheia.
Um dia, comprou um iPod e o colocou no ouvido. E como era de se esperar, colocou o volume no máximo como toda pessoa de extremos faria... No mesmo momento ficou surdo para o mundo.
Ouvindo sua banda predileta, recém descoberta do final de semana, sua vida se transformou. E de uma hora para outra se sentiu sem a obrigação de ouvir nada que não lhe interessasse. Opiniões adversas seriam facilmente ignoradas, esporros de chefe seriam via e-mail, burrice de mulheres bonitas não seria mais problema, buzinas, trânsito e sotaques inintendiveis eram coisas do passado. Havia conseguido controlar um dos seus 5 sentidos e se sentia bem com isso, Melhor, tinha certeza que passaria o resto de sua vida surdo para o mundo. E assim se fez, quando aos 2'47'' da faixa 3 foi atropelado por um ônibus enquanto atravessava a 5a. Avenida.

O cego
Sua miopia era como a chuva de Seattle: nao molha, mas pertuba. Saía a noite sem óculos, mas era obrigado a dirigir com as lentes. Trabalhava numa boa, mas tinha que estar de óculos nas horas das apresentações. Enxergava todo o filme, mas perdia o detalhe por debaixo da camisa justa da Scarlett Johansson.
Um dia, durante a noite, seu local de trabalho ficou sem luz, sem mais nem menos. Assim, sem enxergar um palmo diante do nariz foi obrigado a se virar como um cego. Achou a experiencia interessante e na hora de ir embora improvisou uma bengala com um cabo de vassoura. Deixou o carro na garagem e resolveu caminhar até sua casa como um cego por opção. Gostou e, portanto, adaptou-se à cegueira voluntária, usando apenas sua imaginação.
A partir de então, o dia se tornou azul apesar de cinza, seu chefe era mais atencioso, furava fila nos supermercados e era prontamente atendido nas lojas de discos. As vozes aveludadas das mulheres as deixavam todas lindas e os carros paravam para lhe dar passagem. Enfim, o mundo era um paraíso.
E para o paraíso ele foi ao ser atropelado por um ônibus, que resolveu seguir adiante em vez de pisar no freio.

O entupido
Sujeito de nariz grande sempre sofreu com as consequências, no entanto, nunca se importou com as zoações do colégio, Seu maior problema era sua capacidade olfativa.
Durante um final de semana, foi com amigos à Alki Beach, uma "praia" de Seattle e seus amigos apostaram que seu medo por água fria o impediria de entrar nas águas gélidas de Pudget Sound. O resultado foi uma caixa de cerveja a mais em sua geladeira acompanhada de uma gripe de dois meses, inviabilizando seu nariz para todo e qualquer cheiro.
O sentimento de perder o olfato no início lhe parecia algo estranho e irritante, mas com o tempo vantagens começaram a ser percebidas. Já com o fim da gripe, ele tinha certeza que preferia viver sem aquele sentido.
Assim, toda manhã, antes de entrar no banheiro colocava tubos de algodão em suas narinas. Sua vida melhorou enormemente. O cheiro dos becos sujos de Seattle não era mais problema, a multiplicidade cultural de seu trabalho não mais o incomodava e a comida de seu companheiro de sala deixara de ser um empecilho.
Um dia, sofreu um acidente enquanto viajava cercado de sovacos inofensivos para o trabalho. Seu ônibus perdeu o controle, capotou e atropelou um posto de gasolina. O fogo não teria se espalhado e todos não teriam morrido se suas fossas nasais lhe tivessem avisado que não era seguro acender um fósforo, no meio de tanto vapor de gasolina por perto.

O mudo
Era tímido, daquele gênero que tem vergonha de dizer “bom dia” pro espelho. Andava de cabeça baixa com medo dos olhos dos desconhecidos. Falava pouco, pois tinha a impressão que ninguém o entenderia naquela cidade de língua estranha e sotaques esquisitos. Saía à noite, mas se recolhia na apatia esperando que a noite acabasse. Uma vez, a noite não acabou.
Uma linda menina lhe dirigiu a palavra e ele ficou sem reação, travou e de sua voz só saiu um grunhido. A menina, devido a má interpretação gerada pelo álcool, o julgou como mudo, o que a levou a relembrar antigas taras sexuais sobre grunhidos de mudos na cama. A paixão foi avassaladora e daquela noite saiu um casal de apenas uma voz... A dela. Resultado: adotou a mudez e assim ficou.
Com o tempo, sua voz, realmente, deixou de ser importante. Afinal, além de uma linda mulher, tal ausência lhe deu outras vantagens, como não precisar se expor nas reuniões de trabalho, não se fazer entender com sua incompetência naquela língua, ou até mesmo ignorar seu porteiro que tinha como único assunto os Seattle Mariners (baseball).
Após um dia cheio de trabalho, onde escutou muito e não disse nada, o ônibus em que estava foi parar dentro de um posto de gasolina. Ainda cambaleando viu um sujeito pegar um isqueiro e acender. Não se sabe o porquê de um sujeito acender um fósforo no meio de um acidente. A causa mais provável é um furo no roteiro. O único fato que se sabe é que se ele desejava sair vivo dali, abrir os braços mantendo sua mudez não foi uma idéia muito eficaz.

O sem tato
Sofria com o peso das consequências, e por essas e outras não tomava atitude nenhuma. Morria de medo de escrever seu futuro e assim acabava sendo levado em função dos outros. Um erro na passagem aérea fez com que parasse em Seattle em vez de Nova York. E lá ficou devido ao medo de ir embora.
Saía para onde lhe mandavam, fazia o que lhe pediam, ouvia o que o radio tocava, assistia o que a TV transmitia, era um ser passivo, inexpressivo e por que não inexistente. Talvez pelo fato de seus vizinhos não ligarem a mínima, um dia, foi eleito síndico do prédio.
De início, entrou em pânico, mas logo aprendeu a gostar daquele poder. Começou por quebrar as leis defendidas pelos moradores e em pouco tempo perdeu a noção do certo e errado. Ligou o foda-se para as consequências e virou o sujeito mais sem noção, irresponsável e sem tato do prédio, do bairro e até onde se sabe, da cidade.
Festas em sua casa duravam até o amanhecer ou até a polícia aparecer. O trabalho explodia? Ele saía para pescar, Bebia e dirigia. Economizava uma grana nos bares por não dar os 15%. Fazia o que bem queria e assim era feliz, mesmo com todos em volta sofrendo as consequências por tamanha falta de tato com a vida.
Um dia, saindo apressado, pegou o ônibus errado e ignorou a placa de “proibido falar com o motorista”. Pediu pra descer ali mesmo e o motorista nao liberou. Ele insistiu, o motorista se enfezou e uma discussão começou.
A briga só acabou quando o motorista, tentando evitar que ele abrisse a porta à força, perdeu o controle do ônibus, atropelou um cego, um surdo, adentrou num posto de gasolina, e, quando tudo parecia menos trágico, um doido com as narinas entupidas de algodão fez o favor de acender um fósforo. No meio de tudo, um mudo abria os braços como q dizendo... fudeu.


Do outro lado da cidade um sujeitinho narigudo, meio míope, ouvia uma música ambiente e resolvia criar um blog pra mentir com segurança e, quem sabe, se fazer ouvir.

1 comment:

Rodnei said...

genial... ta cada dia mais inspirado